terça-feira, 24 de abril de 2012

Depoimentos de guerra


Tem famílias que dão gosto de ver, a minha, ou melhor, grandes partes das ramificações da minha célula da família são absolutamente deploráveis. Talvez nem seja culpa deles. Pode ser alguma coisa além do entendimento humano, pode ser uma das grandes consequências do mundo, ou – em minha opinião, o mais aceitável – uma grande filha da putagem.
Um dos motivos de orgulho da minha mãe era de eu ser completamente indiferente à situação espinhosa que cercava a relação familiar. Férias em família pareciam um grande circo de onde cada dia um representante de um dos clãs ficava na mira do atirador e, este, por sua vez, atirava indireta e espinhos pra cima do outro. Pois é! Isso era bem simples pra mim. Afinal de contas, com um pouco mais de seis anos de idade era muito fácil ignorar tudo e não entender nada. As coisas aconteciam a cima da minha cabeça. Meu campo era seguro. Embora, vez por outra, fosse superficialmente atingida. Mas nada que preocupassem demais os meus superiores.
 Com o tempo passando. As crises já eram quase incontroláveis. A grande dama da paz – a avó - não estava mais por aqui colocando ordem no terreiro. Como se tivessem tirando o eixo de sustentação do circo. Caiu tudo! Cada um pro seu lado, alguns ainda se encontravam por ai. Mas os grandes chefes não se bicavam mais.
Dai pode pensar: bem, não há mais guerra ao menos.
Engano seu! As coisas pioraram meus caros amigos. Podia não ser mais uma guerra física. Vamos dizer que era uma guerra fria. Cada um no seu canto. Um silêncio aparente, mas com sérias acusações correndo os corredores. E, por algumas idas e vindas, por vezes, as coisas caiam e bocas erradas. E era um Deus nos acuda. Mas ai, já não era mais criança e o meu campo de proteção já não era tão eficiente como o de antes. Já era atingida mais e mais vezes  pela artilharia do lado oposto.  Mesmo sendo café com leite na historia já era muito difícil não mudar com as pessoas.
Reaprender a ser indiferente com as palavras e sentimentos alheios foi um trabalho árduo na vida até os dias de hoje. Porque, quando se é criança e não entende nada, tudo bem. É fácil ignorar as coisas e amar todo mundo. Quando cresce e dá de cara com a realidade e ainda sim tem que ignorar e, de quebra, ainda conseguir amar um pouco cada um. Sou quase uma guerreira.
 Para a estrutura familiar foi fundamental, mas no que diz respeito à vida fora de casa... Bem, causa sérios problemas. Pra que fique claro, funciona como um picolé coberto com casquinha de chocolate. É quase resistente, todos olham e pensam que é.  Mas, na primeira prova, ele já se desfaz com pedaços da blindagem caindo no chão deixando a mostra o interior doce e mole. Que fique claro: foi apenas uma metáfora.
O meu núcleo de guerra sempre foi desfavorecido na historia. Ele era novo e não tinha as ligações corretas. Além de ser o menor de todos. Talvez, por isso, a Dama da Paz estivesse um pouco para o nosso lado. Mas, como disse antes, ela não ficou por aqui para dar forças.
Então, hoje, com vinte e três anos recém-completados. Pergunto se a melhor opção para ultrapassar a barreira da juventude e encarar a vida adulta seria de fato deixar de ignorar tudo o que me atinge. Ou se isso não tem nada a ver com a situação de ser ou não madura e faz parte de mim, ignorar tudo o que parte dessa guerra descabida. Hoje eu vou escolher entrar na guerra com os dois pés, ou levantar a bandeira branca e pegar o primeiro bote e ir navegar em outros mares.
Mas, de verdade, acredito que a minha parte seja fazer com que, quem vem pela frente, não viva a mesma historia que eu precisei viver.

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