quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Desconhecido. ( Cap.1 )

Ela podia jurar que delirava. Podia jurar que haviam lhe drogado e ficara sem consciência para reagir a qualquer coisa. Mas não saiba dizer nada. Só sabia que estava lá, deitada e coberta por um lençol fino e familiar, foi o que notou pela textura e cheiro. E também era apenas isso que a protegia do resto do mundo. Não sabia onde estavam suas roupas, seus sapatos e até onde provavelmente estava antes dali.
Era difícil procurar qualquer coisa, afinal de contas ela não sabia de nada antes daquilo. Não sabia da roupa, do endereço, do dia, das pessoas. Nada! Era apenas: ela, o lençol, o lugar e o cheiro.
Com o corpo leve e a cabeça pesada foi difícil se equilibrar ao levantar da cama. Andou no chão gelado, envolvida no lenço com uma calda parecendo uma noiva. Andou em volta da cama passo a passo. Como se fosse possível se perder a cada centímetro que avançava.
De longe, do outro lado da cama, ela viu um espelho. Mas tava longe só era possível, para os olhos cansados dela, ver contornos de qualquer coisa que refletia. Por algum momento ficou com medo. Parou de olhar e virou de costas disposta a olhar pela janela. Mas menos de um segundo entre o passo e o impulso, voltou-se para o espelho. E ficou encarando. Como se fosse hipnotizada pela imagem, achou mais seguro atravessar a cama até ele. Ou seria medo de perder no tempo a imagem que via.
Agora estava face a face com o espelho. Não era possível dizer que era o seu reflexo, porque mal lembrara como era antes de se ver nele. Olhou estática, durante minutos seguidos. Sem mexer sequer um músculo alem do necessário. Por vezes perdeu a respiração. Admirou-se. Não lembrava nada, absolutamente nada de si.
E deixou cair o lençol ao mesmo tempo da lágrima que descia no rosto e nem ela sabia o motivo. Não lembrou quem era, mas agora sabia como era. E de alguma forma queria mais que nunca se abraçar. Se proteger do mundo todo, até de si.
Um barulho a despertou do espelho. Com o susto juntou o lençol e jogou em volta de si como uma capa de proteção.
Estática, quieta, silenciosa. Podia jurar que ser invisível seria a melhor maneira de encarar tudo. Mas sua respiração ofegante parecia entregá-la. E quanto mais despercebida tentava ficar, mas alto e rápido seus pulmões trabalhavam. Como se seu corpo quisesse boicotar seu disfarce.


Continua...


ps. Sim, voltei a escrever contos em capítulos. 

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

aqueles dois

Não parei de olhar para os dois desde a hora que bati os olhos. Eles estavam a um distancia razoável de mim. Bem visível e no meu campo de visão constante. Estavam encostados em alguma coisa, que devia ser meia parede ou alguma coisa assim. De fato, o que menos importa, nem prestei tanta atenção assim. Eles me hipnotizaram de fato. Eram um homem e uma mulher. Por mais jovens que fossem o que fluía deles era essência de gente grande.
Era noite, já beirando a madrugada. E eles pareciam bem acordados apesar da hora. A menina era branca de um tipo de branco tropical. Não era rosa, era branca e tinha cor de sol na pele. Suas curvas eram robustas, era bonito de ver. Vestia um vestido de verão leve e que mexia despretensiosamente tanto quanto perigosamente com o vento fresco daquela noite. Deixando um pouco mais das pernas grossas da menina a mostra. O que me deixara um pouco sem graça. Assumo. Sentindo com se tivesse invadindo um pouco dela. Mas era culpa do vento e das curvas da pequena. A que parecia tão envolvida na situação, e nos braços do rapaz, que nem ligava para vento e minhas observações.
Já o rapaz que abraçava a menina não era dos mais bonitos. Nem tão robusto quanto ela. Na verdade o moleque parecia ter apenas braços que passeavam nas costas brancas da moça. O que parecia agradar a ela, pois certa hora todo mundo tremeu com um fio de vento muito frio e ela nem se mexeu. Não entendi como braços tão finos podiam aquecer. E foi ai que lembrei que ele tinha mais corpo que aqueles dois braços nas costas dela. Mas de fato, era magro.
Agora eles não estavam mais abraçados. E ela pareceu notar a presença do vento e segurava despretensiosamente o vestido nas laterais para evitar qualquer acidente. Eles riam e gesticulavam. Queria ter idéia do que falavam. Não sei bem o que esses jovens falam nessas horas. Mas parecia ser algo que a divertiu e que a animou a dançar, pois ela fez uns gestos com as mãos e logo em seguida se jogo de volta nos braços dele.
Começou de novo. Ela estava lá apertada contra o corpo dele como se pudessem grudar. Seus braços brancos envolvendo o pescoço e provavelmente ela devia estar passando as unhas nos cabelos da nuca do rapaz. Pois nessa hora ele puxou a moça com um pouco mais de violência contra seu corpo magro o que a fez ficar na ponta dos pés. O braço esquerdo dele encaixou na curva entre a costa e a bunda enquanto o outro subia com a mão cheia de dedos para os cabelos. E as mãos dela já estavam perdidas pelos cabelos curtos dele. Nessa hora parece que o vento resolveu fazer parte momento deles. E começou a brincar com o vestido da menina.
Passeava na saia dela como se estivesse quase fazendo um zig-zag pelas coxas dela. E se divertia assim. Fiquei um pouco agoniado pensando que ele podia causar um acidente e deixá-la com a calcinha a mostra. Mas nem fez ficou lá brincando enquanto ela se contorcia com um beijo na orelha. E eu fiquei pensando o quanto eles eram sensuais assim, assim... Se querendo. É... Não há outra palavra. Era notável o quanto se queriam os dois. Um o corpo do outro, cada ponto, cada curva, cada gosto.
Ela segurava o rosto dele com as duas mãos quentes enquanto o quadril se apoiava no dele o beijava a boca delicadamente. Talvez pela primeira vez tenham percebido o frio da noite, pois se abraçaram e ficaram se aquecendo. Mas daí isso já não me chamou mais atenção nem me enchia a vista. Então eu virei de volta pra roda e comecei a olhar a que se abaixava pra buscar uma cerveja. Aaah! Ela era linda e morena, usava um shortinho daqueles que...

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

calada

Não ouço mais a minha voz. Faz uns três dias que permaneço calada. Calada da boca, por palavras sonoras, aquelas que por mais que julguemos úteis são mais inúteis que qualquer momento de silêncio. Pois bem, voltando ao meu silêncio... Não falo nada, mas nem percebo. Quando vejo, já não emito mais nenhum som. E todas as palavras que ouvia eram dos outros. No começo isso me irrita, incomoda e perturba.
Meu coração pausa, depois dispara. O corpo congela a minha cabeça dói. E quando percebo chove uma vida de vida na minha cabeça. E talvez compense a minha mudez com a quantidade de coisas que posso pensar e falar. E falo tanto que preciso respirar fundo, vez ou outra, para poder me entender.
Falo, falo e falo. Falo de tudo, de todos e talvez por todos. Assim como estou falando nesta hora. E já faz três dias que só falo aqui dentro. Não exponho, não compartilho. Gargalho sozinha das minhas próprias piadas que nem precisam ser engraçadas. Repreendo-me.
Aposto que quase saio do meu corpo algumas vezes. Talvez, imagino, seja isto que me cause aquelas sensações estranha. Então quando volto pro corpo ele leva um choque e volta a trabalhar. No meio dos outros pareço um boneco. Estou apenas enfeitando o lugar. Calada, com cara de pastel. Mal sabem os que olham (e por sua vez, não vêem) que lá dentro há mais vida e informações do que todas aquelas que eles estão falando boca pra fora.
Imagino que seja um pouco de egoísmo da minha parte não querer compartilhar o que é falado dentro de mim. Mas acho que não. Não é por falta de querer. Eu apenas não consigo falar todas as palavras que são ditas por dentro. Por algum motivo, não deve valer a pena.
Não vou contrariar continuarei, aqui, nessa conversa afônica e egoísta.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

texto 2

Ele não acredita em contos de fadas. Amor, daqueles sem explicação, também não. Tudo tem fundamento, motivo, causa e conseqüência. Tudo com uma explicação digna. Não crê que toda historia de amor é uma historia bonita. Que brigas e lágrimas nem sempre querem dizer o fim, ou que ser igual vai alem do explicável. Talvez acredite que tudo é mais matemático que lírico. É... Talvez. É assim: corpo e corpo, pele e pele. Sentimento bruto, carne, gente e contato. Nada de borboletas de fumaça imaginária, nem flores astrais. Era chão, era real. E era assim, para ela.

Ela, ela crê que o mundo sem amor, sem sentimento não é o mundo. É dividido em dois. O que se vê e o que se sente. Mas ela vive no que sente. Fica cega, cega de amores vez por outra. Acho que todas as historias dariam uma bela historia de amor. Crê em todos os tipos de amor e sentimento. Chora se descabela e, às vezes, jura que quase pode voar de tanta felicidade. Ela era assim. Sentia até o final e se pudesse não teria final nunca. Era assim: tudo lírico, poético surreal. E era assim, pra ele.

fim